Demitindo o patrão
Por Oneir Guedes - 02/08/2013, 09h39
Trocando as bolas na hora da demissão
Umas das músicas mais curiosas do extraordinário cantor e compositor Zeca Baleiro fala sobre a relação entre patrão e empregado. Com sua voz marcante, ele canta “Eu despedi o meu patrão, desde o meu primeiro emprego, trabalho eu não quero não, eu pago pelo meu sossego... Ele roubava o que eu mais valia, e eu não gosto de ladrão, ninguém pode pagar, nem pela vida mais vazia, eu despedi o meu patrão”. Essa música é um pouco injusta com os empregadores ao colocar todos eles na condição de vilões, afinal não podemos negar que muitos patrões brasileiros também são vítimas de um sistema corrupto e uma carga tributária extorsiva. De qualquer maneira, é inegável que o trabalhador muitas vezes se vê obrigado a “engolir sapo” no serviço, aguentar todo tipo de perseguição e ainda manter-se calado, afinal esse é o jeito honesto de garantir o leite das crianças no fim do mês. É o famoso “manda quem pode, obedece quem tem juízo”, que infelizmente se repete diariamente em todos os cantos da cidade e do país. Quem vive ou já viveu nessa situação certamente já sentiu vontade de fazer como na música de Zeca Baleiro, virar para o empregador e dizer “você está demitido”. Pois saiba que isso é possível. A lei trabalhista brasileira permite que o trabalhador "demita" o patrão em alguns casos específicos. É a chamada rescisão indireta, prevista no artigo 483 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Ela permite que o funcionário encerre o seu contrato de trabalho sem perder o direito a verbas rescisórias, ou seja, sem sair prejudicado na temida hora do “acerto”.
No pedido de demissão "normal", o trabalhador não tem direito a receber, por exemplo, o seguro-desemprego e nem sacar o fundo de garantia (FGTS). Por isso, muita gente acaba permanecendo no emprego, ainda que esteja sofrendo toda sorte de abusos e ilegalidades. Porém, se comprovada a existência de determinadas condutas graves da empresa, o trabalhador tem direito a todas as verbas que receberia caso o empregador tivesse lhe demitido sem justa causa, inclusive a indenização de 40% sobre o FGTS.
Mas não pense que qualquer situação desagradável dá ao funcionário a possibilidade de se valer desse instrumento. Se assim fosse, ninguém mais pararia no emprego, afinal alguns contratempos são naturais em toda relação de emprego. Na verdade, a rescisão indireta só é cabível em sete situações específicas. São elas: 1) quando são exigidos serviços superiores às forças do empregado, serviços proibidos pela lei, contrários aos bons costumes, ou que não estão previstos no contrato; 2) quando o empregado é tratado com rigor excessivo; 3) quando o empregado correr perigo manifesto de “mal considerável”; 4) quando o empregador não cumprir com as obrigações constantes no contrato; 5) quando o empregador, ou alguém que o represente, ofender a honra do empregado ou de alguém de sua família; 6) quando o patrão, ou alguém que o represente, vier a agredir fisicamente o empregado; 7) quando o chefe reduzir o trabalho de seu funcionário de forma a afetar sensivelmente a importância do salário.
Como se pode ver, as situações são variadas. Por isso, esse tipo de ação trabalhista tem se tornado cada vez mais comum. No início do ano, o jornal "Folha de São Paulo" publicou uma matéria com o sugestivo título "Querida, demiti o Patrão" e reconheceu essa tendência ao esclarecer que "em 4 anos dobram pedidos de rescisão indireta". Mas isso tem um lado negativo. O crescimento de ações trabalhistas sobre esse tema tem aberto oportunidade para empreitadas oportunistas, onde mentiras são proferidas por funcionários que só querem se dar bem na hora de sair do emprego. Isso é um absurdo, é algo que deve ser severamente reprimido pelo poder judiciário, pois é preciso evitar que pessoas que realmente precisam da chancela da justiça venham a ser prejudicadas por aquelas que estão ali apenas tentando a sorte.
Assim, a Lei criou um instrumento no qual o empregado pode se valer para proteger sua integridade, repudiando abusos do empregador e mantendo seus direitos trabalhistas. Contudo, assim como cerveja, a rescisão indireta também deve ser apreciada com moderação. O trabalhador nunca deve levar para as Varas do Trabalho, já lotadas de audiência, aquelas questões que poderiam ser resolvidas e tratadas internamente na empresa.
*Esse artigo foi escrito ao som da música “Eu despedi o meu patrão “de Zeca Baleiro
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