Por Oneir Guedes - 23/08/2013, 13h53
Acesso à justiça não é loteria
Bem ao lado da agência dos Correios em Três Rios há um belo casarão amarelo. Neste local funciona o Juizado Especial Cívil, onde são julgadas ações de menor complexidade, as famosas “pequenas causas”. Ali o autor nunca precisa pagar nada para “entrar” com uma ação, e mesmo que ele saia derrotado no final do processo, nenhum valor será devido em função disso. E nas causas de valor inferior a 20 salários mínimos, nem mesmo a assistência de um advogado é necessária. Essas facilidades são formidáveis ferramentas para democratização do acesso à justiça. Porém, no país do jeitinho, onde a malandragem é encarada como virtude, muitas pessoas têm promovido uma verdadeira banalização desses benefícios conferidos pela lei.
Já ouvi muita gente reclamando que os processos no juizado especial demoram para chegar ao final. Atribuem essa suposta morosidade à burocracia, ao desempenho dos servidores ou à atuação da autoridade judiciária. Querem que tudo seja resolvido rapidamente e estão sempre a procura de alguém pra culpar quando isso não acontece. Contudo, se o processo não tramita com a velocidade desejada, os grandes culpados são aqueles que recorrem ao judiciário de maneira desvairada, provocam uma avalanche de processos insensatos, sobrecarregando as prateleiras do cartório e congestionando as pautas de audiência.
A cada dia aumenta a interposição de ações de indenização por dano moral fundadas em razões pífias, insignificantes. Isso acontece em todo o país, e em Três Rios não é diferente. As pessoas parecem estar perdendo o bom senso, acham que tudo virou ‘dano moral’. Falou. Dano moral. Não falou. Dano moral. Olhou. Dano moral. Não olhou. Dano moral. Qualquer aborrecimento ou contratempo, por menores que sejam, acabam sendo usados como pretextos para recorrer à justiça. E, para piorar, não faltam aqueles dispostos a distorcer os fatos para tentar ganhar algum dinheiro.
Valendo-se do acesso gratuito, muitos se sentem seguros para fazer a política do “se colar, colou”. Para esses aventureiros, tentar a sorte em uma ação infundada nos juizados especiais é melhor do que jogar na loteria, uma vez que nas lotéricas é preciso pagar para apostar. E algumas dessas pessoas insistem em se dirigir ao cartório quase todos os dias para saber o andamento de seus processos, mesmo que isso seja totalmente necessário. Os servidores públicos que trabalham no atendimento são obrigados a ter uma paciência de Jó, eles mereciam ser canonizados pelo desempenho de sua função.
A verdade é que, assim como a cerveja, o acesso gratuito à justiça é algo que deve ser apreciado com moderação. Essa multiplicação irracional de processos atrapalha o andamento das ações legítimas e acaba prejudicando todos aqueles que realmente precisam ver suas demandas acolhidas. Sabemos que o número de juízes em nosso país é insuficiente. Usar o precioso tempo dos magistrados para decidir sobre infundadas ninharias representa um prejuízo para toda a sociedade.
Além disso, precisamos ter em mente que todo processo custa um valor substancial para tramitar. É necessário pagar pelo papel utilizado, pelos salários dos servidores que trabalharão nele, pelas correspondências enviadas e por toda estrutura burocrática que cada processo envolve. Quem paga essa conta somos nós, através dos impostos. Desse modo, sempre que alguém recorre à justiça por alguma bobagem, toda a população paga por essa aventura processual.
Todos que tem algum direito violado podem e até devem recorrer ao judiciário, mas, por favor, o bom senso não pode ser deixado de lado. Não faz sentido banalizar as facilidades que foram criadas para nosso próprio benefício, não vale à pena tentar transformar meros contratempos em tragédias gregas. Não confunda acesso à justiça com loteria, não seja um aventureiro processual. Todo mundo sai perdendo com isso, inclusive você, que cedo ou tarde vai acabar precisando verdadeiramente de um provimento jurisdicional.
*Esse texto foi escrito ao som da música "Justiça Gratuita" do cantor e compositor Neil Lopes."
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