Por que ninguém de classe média ou alta é “chacinado”?
Publicado por Luiz Flávio Gomes - 5 dias atrás
63
O processo de mexicanização da nossa violência institucionalizada continua dando passos largos. A prosseguir assim, nossa guerra civil permanente não declarada (veja Luís Mir, Guerra civil) vai alcançar os objetivos destrutivos desejados. Aliás, “O objetivo da guerra [de todas as guerras] não é morrer por seu país, é fazer com que outros bastardos morram por ele [ou nele]” (George Patton). Bastardos não são os membros das classes médias e altas (as classes proprietárias). Na hora do alistamento geral para a guerra contra o Paraguai os senhores proprietários prometeram alforria aos seus escravos que fossem “lutar pelo Brasil”. Claro que milhares deles não voltaram!
Por detrás da guerra civil brasileira visível há uma guerra invisível, que o povo sem senso crítico ainda não enxerga: trata-se do ódio dos senhores (aristocratas) neofeudais e dos pequenos burgueses (patriciado) contra as classes assalariadas (proletárias) ou marginalizadas (lumpemproletários), compostas de não proprietários. A essas classes pertencem tanto os policiais (que assassinam e que morrem) quanto os mortos. Ninguém da classe média ou alta é exterminado em chacinas. Tampouco essas classes fazem parte das hierarquias bases das corporações. Para o neofeudalismo, os assassinatos persistentes de lumpem contra lumpem não são violações dos direitos, sim, limpeza, faxina, profilaxia, assepsia.
Até o advento da ditadura civil-militar (1964-1985) estudávamos todos (classe média e assalariados, pequenos proprietários e não proprietários) na mesma escola. Eu fiz parte dessa convivência. Filhos da classe média e filhos dos trabalhadores vivíamos todos juntos (e havia muita solidariedade). Aprendíamos as mesmas lições, a mesma cultura, os mesmos valores. O arrocho salarial avassalador (imposto pelos senhores neofeudais, para promover seu mais rápido enriquecimento), o incremento da desigualdade (os civis-militares se apoderaram do País com Gini de 0,53 e o entregaram com Gini de 0,61: Gini é o índice que mede a desigualdade; quanto mais próximo de 1, mais desigual o país) e o congelamento dos investimentos sociais na área da educação, saúde, mobilização, transportes urbanos etc. Dizimaram os serviços públicos.
Melhoramos em termos de infra-estrutura energética, transportes, mas os serviços públicos viraram pó (ou algo próximo disso). Foi aí que se deu a ruptura das classes médias com as classes assalariadas e marginalizadas: quem podia (e quem pode) corre (ou correu) para a privatização da saúde, da educação (escolas particulares), do transporte individual etc. Os serviços públicos ficaram para os pobres, os desamparados, os assalariados proletários, os marginalizados. O ódio dos senhores neofeudais contra as classes não proprietárias impregnou a alma dos pequenos burgueses (pequenos proprietários), que abandonaram à própria sorte todos os usuários de serviços públicos (que passou a ser o eufemismo identificador das classes “inferiorizadas”).
Mas não se pode dizer que a civilização não avança no Brasil. A cada chacina há inovações: nas matanças faroestes muito mais pessoas são atacadas de maneira cada vez mais cruel. Há sempre uma maneira nova ou diferente de exterminar. Nas chacinas de Osasco e Barueri destruíram a vida de 18 pessoas. São cidades que já não contam com população, sim, com sobreviventes (o IBGE fará o devido ajuste). Mais uma noite alucinada de extermínio coletivo. Novo capítulo da guerra civil permanente (não declarada). Matam-se policiais por vingança (dois por dia, no Brasil). Matam-se civis de forma cada vez mais cruel para manter a população assalariada ou marginalizada (cota dos não proprietários) em estado permanente de medo. “A PM existe para matar” (diz o discurso neofeudal).
Um PM da Rota foi o primeiro a ser preso pelas chacinas. A Corregedoria da Polícia Militar já falou em “bandidos” dentro da polícia, que formam crimes organizados de justiceiros. As chacinas dos últimos tempos possuem uma característica comum: os mortos são atingidos por atacado. Isso revela que não se trata de pura vingança, sim, de assassinatos coletivos para amedrontar a população. Os mortos são usados para gerar medo nos vivos (ou melhor: nos sobreviventes). É a instrumentalização do humano (abominada por Kant) promovida por desumanos. Desumanização do humano (que virou homo sacer, como diz Agamben; humano que pode ser destruído impunemente).
Nenhum comentário:
Postar um comentário