quarta-feira, 30 de março de 2016

Claudio Maierovitch: "Não há como prever se o H1N1 vai se espalhar"

Claudio Maierovitch: "Não há como prever se o H1N1 vai se espalhar"


O diretor de Vigilância das Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde afirma que não é possível antecipar a vacinação nacional contra a gripe

O diretor de vigilância de doenças transmissíveis do Ministério da Saúde, Cláudio Maierovitch, divulga o boletim epidemiológico sobre os casos de microcefalia no país (Foto: Abr)
O Brasil registrou 305 casos de gripe H1N1, segundo as notificações feitas até o dia 19 ao Ministério da Saúde. A maioria dos doentes (266) vive no estado de São Paulo, mas o problema atinge outras regiões, como Santa Catarina, Bahia, Rio de Janeiro, Pernambuco, Minas Gerais, Paraná, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Segundo o governo federal, 46 pessoas morreram por complicações da doença no país -- a maioria no estado de São Paulo.
 A campanha nacional de vacinação começa apenas no dia 30 de abril e deve imunizar somente grupos prioritários: crianças de 6 meses a 4 anos, grávidas, mulheres no pós-parto, doentes crônicos e profissionais de saúde. A partir desta sexta-feira (1º), alguns lotes da vacina serão enviados aos Estados. Caberá a eles fazer a distribuição do produto aos municípios e imunizar alguns grupos, antes da campanha do Ministério da Saúde.
Na terça-feira (29), o governo paulista anunciou a antecipação da vacinação para cerca de 3,5 milhões de pessoas. As doses da vacina de 2016 devem começar a ser distribuídas na próxima semana.Num primeiro momento, serão imunizados apenas os profissionais de saúde de hospitais públicos e privados da capital e da Região Metropolitana.
Na capital paulista, algumas clínicas particulares já receberam dos fabricantes doses da vacina deste ano. A procura é intensa, as filas são longas e os estoques se esgotam com rapidamente.  
Em entrevista a ÉPOCA, Claudio Maierovitch, diretor de Vigilância das Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde, afirma que não há doses disponíveis para antecipar a campanha de vacinação contra a gripe em todo o país

ÉPOCA - Por que estamos vendo esse aumento de casos de gripe H1N1 bem antes do inverno?
Claudio Maierovitch - Desde a pandemia de 2009, o H1N1 tem circulado de maneira importante. O tempo todo, mesmo no verão e na primavera, há gente com gripe. Algumas pessoas precisam de internação ou morrem disso. Os anos de 2014 e 2015 foram particularmente tranquilos – tanto em relação ao H1N1, quanto em relação aos outros vírus da gripe. Não é possível interpretar, neste momento, as razões do aumento de casos e a concentração no estado de São Paulo.
ÉPOCA - O Ministério da Saúde não chama de epidemia nem o que está acontecendo no Noroeste paulista, onde ocorre a maioria dos casos?
Maierovitch - Surto e epidemia são sinônimos. Usamos a palavra surto, em geral, para coisas mais localizadas geograficamente. Mas isso é uma bobagem. Estamos falando de um aumento de casos acima do esperado. Não é possível fazer essa avaliação neste momento. Ainda não é possível falar em anormalidade. Vamos ter que acompanhar ao longo do tempo para ver como o vírus se comporta.
ÉPOCA - Diversos vírus provocam gripe e, em alguns casos, ela pode ser fatal. Qual é a preocupação maior em relação ao H1N1?
Maierovitch -  Ele tem um comportamento um pouco diferente do H3N2. Atinge pessoas que não eram consideradas de risco aumentado para gripe até a pandemia de 2009. Até aquela pandemia, tínhamos alguns grupos considerados de maior risco. Idosos, crianças, pessoas com doença respiratória crônica, pacientes com algum problema imunológico ou tomando medicamentos que produzem supressão imunológica etc. 
ÉPOCA - Além de jovens e gestantes...
Maierovitch - Sim, ele atingiu gestantes, obesos, diabéticos e, inclusive, jovens com essas características. Há uma preocupação especial com as gestantes. São mulheres jovens. Não se espera que morram de gripe.
ÉPOCA - O crescimento do número de casos pode ocorrer exponencialmente até o inverno, como aconteceu em 2009?
Maierovitch -
 A epidemiologia só não é pior que a economia para fazer previsões. Perdemos da meteorologia de longe. Tentamos ficar alertas para captar rapidamente as coisas quando elas acontecem. Esse fato de haver um aumento na região Noroeste do estado de São Paulo serve de alerta para ficarmos observando se isso é uma tendência que começa a se manter e aumentar. Ou se foi um pequeno aglomerado de casos porque o vírus circulou mais intensamente entre pessoas suscetíveis. Não há como prever. Os instrumentos existentes atualmente na epidemiologia não permitem fazer essa previsão.
>> Áudio da coluna 2 minutos, de Cristiane Segatto: Gripe H1N1 chega mais cedo e aumenta a procura por hospitais em São Paulo 

ÉPOCA - A campanha nacional de vacinação está marcada para 30 de abril. O Ministério da Saúde não deveria antecipá-la?
Maierovitch -
 Gostaríamos de fazer isso, mas existe um impeditivo tecnológico. A vacina da gripe precisa ser feita a cada ano. A partir do momento em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulga os vírus da próxima estação (no caso da vacina do hemisfério sul, isso costuma ocorrer no final de setembro), começa uma corrida contra o tempo para tentar produzir a vacina o mais rápido possível. A indústria precisa fazer uma formulação de bancada, fazer a validação e reprogramar a produção. No caso do Brasil, estamos falando em dezenas de milhões de doses.
ÉPOCA: Não há o que fazer para acelerar esse processo?
Maierovitch -
 O volume de doses necessárias para imunizar os brasileiros ainda não está disponível. Todo ano discutimos com os produtores para tentar acelerar etapas. Não é fácil fazer isso porque tudo depende de processos biológicos, como o crescimento dos vírus em ovos de galinhas. O risco de acelerar um processo desses é o produto não dar certo.
ÉPOCA: Quem produz a vacina para o Ministério da Saúde é o Instituto Butantan ou um laboratório privado?
Maierovitch - 
 É o Instituto Butantan, em parceria de transferência de tecnologia com uma empresa privada. Uma parcela das doses é feita na instituição e outra parte em laboratórios com os quais o instituto mantém parceria.
ÉPOCA - O governo estadual de São Paulo decidiu promover uma vacinação extra em 67 municípios da região de São José do Rio Preto. A vacina é do ano passado. Quem tomá-la vai precisar receber a deste ano também?
Maierovitch -
 A cepa H1N1 é a mesma nas duas vacinas (na deste ano e na do ano passado). A vacina de gripe é problemática. Além de ser modificada todos os anos, ela demora um pouco mais para produzir imunidade. Depois da vacinação, leva cerca de três semanas para que a pessoa comece a ter o anticorpo que protege contra a doença.
ÉPOCA - Se demora tanto assim, adianta dar vacina com o objetivo de interromper um surto?
Maierovitch -
 De maneira geral, a vacina não é indicada para conter surtos. Isso ocorre porque, na hora em que ela começa a funcionar, pode ser que o surto já tenha se esgotado numa determinada região. Ela é boa para produzir imunidade num tempo maior. A proteção dura, em média, de seis meses a um ano. Por outro lado, se a vacina do ano passado está disponível e São Paulo tem os profissionais e a capacidade de chamar a população para tomar a vacina, isso é uma aposta. Esperamos que funcione e aumente a imunidade contra esse vírus.
ÉPOCA - Mas a população precisa saber que uma vacina não exclui a necessidade da outra, certo?
Maierovitch - 
Discutimos isso com o estado de São Paulo. Temos as mesmas preocupações. As pessoas precisam saber que tomar essa dose extra não diminui a necessidade de receber a vacina de 2016. Quando falamos em gripe, no fundo estamos falando de várias epidemias simultâneas. Temos, ao mesmo tempo, a epidemia de H1N1, de H3N2, e do vírus B. Com a mesma vacina, tentamos prevenir contra os vírus de circulação mais provável na próxima estação de inverno. Essa vacina do ano passado protege contra o H1N1. É a mesma cepa da vacina de 2016. Mas os vírus B e H3N2 com circulação mais provável em 2016 são diferentes daqueles incluídos na vacina de 2015. A dose do ano passado não dará um nível de proteção alto contra esses dois vírus neste ano. E eles são tão perigosos contra o H1N1. Por isso é importante tomar a dose atual, quando estiver disponível. 
ÉPOCA - A vacina contra a gripe é segura e eficaz?
Maierovitch - 
Ela é muito segura. A eficácia costuma ficar entre 60% e 80%. Há certa variação entre os vírus e os grupos populacionais. Não há nenhum problema de tomar as duas vacinas (a do ano passado e a deste ano).
ÉPOCA - Há algum indício de que o H1N1 que começou a circular mais cedo seja mais perigoso?
Maierovitch 
-  Por enquanto, não. Desde que o H1N1 começou a circular, nossos laboratórios de referência trabalham com análise genética dos vírus e com o perfil de resistência deles. O vírus H1N1 se manteve bastante estável durante esses anos. Tanto em relação ao perfil genético, quanto em relação à sensibilidade ao medicamento antiviral oseltamivir (Tamiflu é o nome comercial).
ÉPOCA - O Ministério da Saúde será capaz de fornecê-lo a todo o país, caso ocorra um crescimento importante do número de casos da doença?
Maierovitch -
 O uso maciço do Tamiflu começou com a pandemia do H1N1. Antes, ele não era usado na rotina. Os profissionais o desconheciam. Os médicos de muitas gerações estavam acostumados a dizer que remédio para a gripe era repouso e hidratação. Essa foi uma das dificuldades que tivemos durante alguns anos. A partir de 2009 ou 2010, o conceito mudou. Passamos a incorporar o medicamento na rotina do serviço de saúde para as pessoas que têm indicação. Hoje ele faz parte dos medicamentos que são supridos continuamente, com reforço no período de inverno. Ele deve ser utilizado rapidamente, sempre que houver indicação.
ÉPOCA - Nem sempre o doente consegue ter o resultado do teste de H1N1 nas primeiras 48 horas após o início dos sintomas. O antiviral será eficaz depois desse prazo?
Maierovitch -
 A eficácia dele é mais alta nas primeiras 48 horas, mas o diagnóstico que indica a necessidade de tratamento independe do teste de laboratório. Existem critérios clínicos que indicam o tratamento, mesmo sem o exame. Isso ocorre em duas situações. Em alguns casos, as pessoas são consideradas de risco por características pessoais. Seja pela idade ou pela presença de algum outro tipo de doença. As pessoas consideradas de maior risco devem receber o antiviral quando apresentam sintomas daquilo que chamamos de síndrome gripal (febre, dor de garganta, tosse, dor no corpo etc). Isso  já indica o tratamento. É o que acontece com os diabéticos, por exemplo. Se eles chegam com febre e algum desses outros sintomas, precisam ser tratados.
ÉPOCA - Qual é a outra situação que exige tratamento com o antiviral oseltamivir?
Maierovitch - 
Nos casos de insuficiência respiratória. Qualquer pessoa com esses sintomas e falta de ar, precisa ser tratada. Se o paciente fizer um exame simples e rápido para medir a saturação de oxigênio no sangue e ela estiver mais baixa que o normal, deve receber o medicamento. Em alguns casos, ela vai precisar de internação. Às vezes, até mesmo numa unidade de terapia intensiva (UTI). 
ÉPOCA - Qual é, então, a importância da confirmação da presença do vírus? Serve mais para o controle epidemiológico?
Maierovitch -
 Exatamente. A informação sobre o vírus serve para nós aqui no Ministério da Saúde. Para o médico e para o doente, a manifestação clínica é a informação importante.
ÉPOCA - O teste está disponível no Brasil todo? Há subnotificação dos casos?
Maierovitch - 
Temos um sistema de vigilância sentinela. Isso significa que ele não é universal. Nem todas as pessoas com sintomas vão fazer o exame. Até porque esse resultado não vai alterar o tratamento. A pessoa que não fizer o exame não terá prejuízo algum em seu tratamento. O teste não muda nada. Muda o tipo de informação que a gente trabalha para saber o que está acontecendo do ponto de vista epidemiológico.
ÉPOCA -  Como esses sistemas funcionam?
Maierovitch - 
São dois sistemas que funcionam de maneira simultânea. Um deles faz a vigilância da chamada síndrome gripal. Cerca de 200 serviços no Brasil colhem continuamente secreção nasal e de orofaringe de pessoas com sintomas de gripe e mandam para os nossos laboratórios nos estados. Isso é para a gente saber qual vírus está circulando. Além disso, é colhido material de todas as pessoas com a chamada síndrome respiratória aguda grave (SRAG), aquelas que precisam de UTI. O mesmo acontece nos casos de óbito. Isso serve para a gente saber quais são os vírus que estão causando doença mais grave. É um sistema de monitoramento que não precisa de informação de 100% dos casos.
ÉPOCA - Isso significa que o número de pessoas infectadas pelo vírus é muito maior que o de casos confirmados divulgados pelo Ministério da Saúde?
Maierovitch - 
Com certeza. É fundamental reforçar a importância das medidas de prevenção que vão além da vacina. O vírus está no ar, mas também nas mãos, no corpo, nas superfícies onde as pessoas espirraram e tossiram. Lavar as mãos várias vezes ao dia e, principalmente, depois de ter contato com quem está doente. Quem adoece precisa se afastar de suas atividades (trabalho, escola etc) para não contaminar os outros. São coisas simples, baratas, óbvias e raramente feitas. Na época da pandemia de 2009 todo lugar público tinha um dispenser com álcool gel. Alguns ainda têm, mas é difícil encontrar álcool dentro dele. É preciso entender a importância desses cuidados simples.

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