Tragédia humana II
Rápido como a lama, que se soltou do seu cercado, engolfou povoações, ceifando vidas humanas, avançou mais, ganhando distância e destroçando o que encontrava pela frente, incluindo-se vida de animais, o tempo passou e uma semana se foi desde a trágica tarde de cinco de novembro. Não dá e, talvez, nunca dê para somar todos os prejuízos, em todos os sentidos, razão pela qual, antes da discussão em torno da culpa e responsabilidades, há que planejar a recuperação que, naturalmente, será na proporção inversa à velocidade da destruição.
Não que não se deva apurá-las e cobrá-las (culpa e responsabilidades), se houver de quem cobrar, mas há prioridades que, em ocasiões similares passadas, em pontos diversos do país, foram sufocadas por veleidades e presunções na área da competência gerencial, o que sempre resulta em mais sofrimento, nas baixas camadas sociais. Há que reconhecer prioridade na atenção às vítimas, a começar das mais vulneráveis. De alguma forma e ainda que humilde, é pessoa humana a agente, a autora, a que produz. A obra pode ser importante, mas não mais que seu autor! É lamentável que se chorem as perdas do patrimônio, seja ele público ou privado, antes da atenção à pessoa que, conforme já dito, muito ainda se desgastará psicologicamente, como consequência do elo rompido no curso de sua vida, se compensação não lhe for dada no mesmo nível.
O indivíduo tem impressionante capacidade de se recuperar dos traumas e continuar sua vida, mas seu íntimo tem que encontrar apoio, também, no interior de seu semelhante, da mesma forma que o organismo físico debilitado se recupera por meio de sangue doado por outrem, seu semelhante. Para a própria recuperação de perdas materiais é imprescindível que, primeiramente, se recupere a pessoa.
Após as barragens rompidas, as ações em prol dos sobreviventes deveriam se conduzir, concomitantemente, nos níveis individual e, sobretudo, coletivo, considerando que comunidades rurais cultuam e valorizam, muito mais, a convivência solidária. Todos esses aspectos deveriam ser levados em conta, no enfrentamento das consequências, que não são poucas, muitas a serem identificadas no transcorrer do processo de superação do trauma inicial.
Infelizmente, antecipando-se tais providências mais as de cunho investigativo em torno das causas, adiantam-se instigadores inoportunos, prontos para semear o joio da dissensão, como se um impasse já houvesse entre a empresa mineradora e a parte vítima, que não se restringe ao local das barragens, englobando pessoas, patrimônios público e privado em dois estados da federação. Demonizar a empresa em questão e o setor minerador não faz nada voltar ao estado de antes e não repõe o que se perdeu, bem como não conduz a qualquer discussão sensata em torno do que deve ser feito a partir de agora.
Considere-se como delírio, sensacionalista e irresponsável, sugestão feita por profissional da mídia ao poder público, para que se fechasse a mineradora. Erros e falhas involuntárias existem onde está presente o homem, em qualquer atividade! A empresa contribuiu e ainda pode contribuir para o desenvolvimento da região, incrementa a economia e proporciona oportunidade de trabalho a grande número de pessoas.
No auge da comoção coletiva e primeiros contatos com a imprensa, morador de Bento Rodrigues lembrou, muito bem, que aquela localidade não se ergueu posterior, porém bem anterior à instalação das barragens. Ora, isso é fato histórico incontestável, tendo o morador a ele aludido apenas para reforçar o que se comentava quanto à população local na condição de vítima. Aproveitando o gancho, acrescente-se ao dito por ele que se a localização das barragens à montante da localidade foi um erro, isso deve ser compartilhado com o poder público, nas três esferas, que aprovou o projeto, autorizou sua execução, e, ao longo do tempo, não o fiscalizou adequadamente.
Em país, que se diz ou se quer organizado, não se admite, absolutamente, que empresa implante projeto de tal envergadura, pelos riscos oferecidos ao meio ambiente e à coletividade nos aspetos da saúde, segurança, patrimônio e economia, sem cuidadoso estudo e acompanhamento do poder público. Ademais, é sabido que o setor minerador carece de legislação específica, atual e condizente com o direito público no estado moderno; mais uma razão para se dizer não à culpabilização unilateral, que a afoiteza ingênua ou de natureza político-ideológica tenta impor antes que se conheçam as verdadeiras causas da tragédia.
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