Barroso tentou explicar o inexplicável
Carlos Newton
Autor do voto que foi seguido pela maioria dos integrantes do Supremo Tribunal Federal, o ministro Luís Roberto Barroso enfim deu entrevista (somente ao Valor Econômico), para se defender das acusações que políticos e a mídia têm feito de sua postura no julgamento das liminares sobre o rito do impeachment da presidente Dilma Rousseff. Segundo ele, o entendimento da corte ‘não mudou uma linha sequer’ do processo contra o ex-presidente Fernando Collor de Melo.
“Nós seguimos de ponta a ponta o rito do caso Collor. De modo que a reação de que o Supremo interveio é simplesmente não factual. O voto do relator originário [o ministro Edson Fachin] é que mudava muito o que foi feito no impeachment de Collor. Seguimos o caso Collor da primeira à ultima linha, sem nenhum desvio. Agora o país está dividido, as paixões estão mais exacerbadas e com mais razão nós temos que seguir a jurisprudência e os ritos que já foram adotados, sem mudar nada. É o que nos liberta”, afirmou Barroso ao Valor Econômico.
CHAPA AVULSA E VOTO SECRETO
O ministro tentou explicar por que o Supremo derrubou a comissão especial criada na Câmara para analisar o impeachment, a partir de chapa avulsa prevista no Regimento. Disse ele:
“O regimento da Câmara é expresso. Juridicamente funciona assim: o artigo 58, parágrafo 1º da Constituição diz que as comissões permanentes e temporárias serão constituídas na forma do regimento interno. E vem o regimento interno e prevê, de modo expresso, no artigo 33, parágrafo primeiro, que as comissões temporárias são compostas por membros indicados pelos líderes. Textual. A Constituição de 88 diz que é o regimento interno que cuida; o regimento interno diz que são os líderes que indicam”.
“O voto para eleição da comissão especial tem que ser aberto, como foi no caso Collor, e indicação dos líderes [para integrar a comissão especial], como foi no caso Collor. Então nós seguimos de ponta a ponta o rito do caso Collor. De modo que a reação de que o Supremo interveio é simplesmente não factual. O voto do relator originário [o ministro do STF Edson Fachin] é que mudava muito o que foi feito no impeachment de Collor”, acrescentou Barroso.
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ENTENDA AS MENTIRAS DE BARROSO
Carlos Newton
Para se defender, o ministro Luís Roberto Barroso arranjou uma entrevista tipo vôlei, em que o jornalista apenas levanta a bola para o entrevistado cortar, sem fazer a ele as perguntas mais pertinentes e embaraçosas.
O fato é que Barroso, no julgamento, mentiu nas argumentações de seu voto, conduzindo a erro outros ministros, e agora continua faltando com a verdade ao tentar se defender. Na questão da Comissão Especial, por exemplo, ele adota a tese de que o regimento da Câmara tem de ser obedecido, como determina a Constituição, e por isso os membros da Comissão teriam de ser indicados pelos líderes dos partidos.
Ou seja, citou o Regimento pela metade, esquecido de que, na Câmara, em nome da democracia, não há eleição de chapa única, nem mesmo para escolher o presidente da Casa. Ao contrário, o Regimento determina que pode haver chapa avulsa em qualquer eleição, o que inclui a Comissão Especial do Impeachment. Mas Barroso esqueceu esta parte do Regimento, assim como também esqueceu que a chapa avulsa foi formada pelos líderes dos blocos partidários, que têm mais representatividade do que os líderes dos partidos.
VOTO SECRETO
Neste caso da chapa avulsa, a manipulação do raciocínio de Barroso foi até amena, ao citar apenas as partes do Regimento que lhe interessavam. Mas no caso do voto secreto, por exemplo, ele teve de pegar pesado. Não existe justificativa para seu voto, porque o Regimento determina que toda eleição seja por voto secreto, justamente para evitar pressões indevidas do Executivo, como está ocorrendo agora.
E o que fez Barroso na entrevista-vôlei? Simplesmente, abordou o importante assunto “en passant”, dizendo apenas: “O voto para eleição da comissão especial tem que ser aberto, como foi no caso Collor, e indicação dos líderes [para integrar a comissão especial], como foi no caso Collor”, disse Barroso, acrescentando: “O voto do relator originário é que mudava muito o que foi feito no impeachment de Collor”, insistiu Barroso em culpar Fachin.
Como se vê, para defender seu voto abjeto, Barroso não tem dúvida em criticar o ministro Edson Fachin, que simplesmente votou na forma da lei e não tentou mudar nada no Regimento da Câmara.
E acontece que Barroso mentiu de novo, porque a eleição da Comissão Especial que cassou Collor não foi pelo voto aberto. Na ocasião, não houve interesse em formar chapa avulsa, o voto foi por aclamação. Quer dizer, Barroso falseou a verdade, mais uma vez.
REPÓRTER DISTRAÍDO
Na entrevista-vôlei, o repórter do Valor esqueceu de perguntar por que Barroso omitiu no julgamento a expressão “e nas demais eleições”, mudando todo o sentido do Regimento da Câmara. Não perguntou também por que Barroso, que tanto diz conhecer o Regimento da Câmara, não se importou de se equivocar no julgamento ao afirmar, peremptoriamente: ─ “Considero, portanto, que o voto secreto foi instituído por uma deliberação unipessoal e discricionária do presidente da Câmara no meio do jogo”.
Aliás, foi esta frase vigorosa que convenceu outros ministros a acompanharem o ardiloso voto de Barroso, levando o Supremo a cometer um brutal erro judiciário, numa causa importantíssima que o ilustre ministro considera apenas um “jogo”.